Pinturas de Armanda Passos, minha pintora preferida.


segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A REVOLUÇÃO SEM CRAVOS


  São 2 horas da manhã. Caçadores 9 inicia o movimento, subindo em boa ordem  a Rua de S Bento tendo-se dirigido à Cadeia da Relação, onde estancou. A guarda da cadeia era fornecida por Alferes Malheiro, tendo sido convidado pelas forças em presença a aderir ao movimento. Este acedeu ao convite, mas só após recomendar ao sargento da guarda que vigiasse bem o edifício, não fossem os presos aproveitar o ensejo para se invadirem. Ninguém se lembrou que naquele momento lá dentro se encontrava João Chagas e que era natural que o libertassem para colocar o seu talento e esforço e energia ao serviço da revolução.  Quem eram os amotinados? Sargentos e praças, Sargentos Galho e Bandarra  , posteriormente acompanhados pelo 1º Abílio, que contra a vontade do Comandante e graduados , que não os conseguiram demover, vieram para a rua. Seguiu este regimento posteriormente para o campo de Santo Ovídio, ( hoje Praça de República ), onde se iria reunir com Infantaria 10.

Tenente Coelho era o chefe dos revoltosos de Infantaria 10. Um dos revoltosos foi avisar o Capitão Leitão, que morava próximo, tendo posto de imediato o capacete na cabeça e de pronto se dirigiu ao local. Estava bem longe de supor que uma vez chegado ao Campo de S. Ovídio, teria que assumir o comando superior das forças revoltosas.

No Campo de S. Ovídio os dois regimentos formaram deste modo: O de Caçadores 9 em quadrado, próximo da porta principal do Quartel de Infantaria 18; O de Infantaria 10 em dois Círculos na outra extremidade do Campo.

Uma vez concluída a formatura, soldados e populaça começaram a dar Vivas à Republica e ao Exercito, com apupos à Monarquia.

Momentos depois  o destacamento de Cavalaria 6, alojado na dependência do Quartel de Infantaria 18, nesse mesmo Campo, veio em galope formar na linha paralela à fachada. Ao mesmo tempo convergiam para o Campo as forças da Guarda Fiscal. As saudações e os vivas redobraram de intensidade.

Ponto da Situação: São 4 da manhã de 31 de Janeiro de 1891. Todas estas forças estavam revolucionadas e só aguardavam a saída de Infantaria 18, para iniciarem a marcha contra o inimigo monárquico.  Estes representados dentro do Porto pela Guarda Municipal e pela Polícia Civil.

Com as forças revoltosas especadas no Campo de S. Ovídio e cercadas por todos os lados pela Guarda Municipal, Infantaria 18 nem andava nem desandava, pois sargentos e oficiais não chegavam a acordo sobre a atitude a tomar. Neste regimento, 18 sargentos que tentaram levar duas companhias através da porta de armas para o Campo, mas as portas voltaria a fechar-se. Os revoltosos no lado exterior, juntamente com a populaça que cada vez mais crescia em número, faziam pressão para que o 18 aderisse ao movimento. Pegaram em machados, e vai daí abriram um rombo na porta do Quartel do lado da Lapa, preparando-se para entrar. Para evitar carnificina, o Capitão Leitão procurou convencer o Comandante do 18 , Coronel Lencastre de Menezes, a juntar-se aos revoltosos, tendo tido a promessa que seguiriam em breve.
Acreditava-se firmemente que este Regimento iria apoiar a revolta: Se assim fosse a vitória estaria praticamente no papo, pois teria um alto significado não só para a população civil mas para outros militares e Quartel-General o facto de estas tropas serem comandadas por um Coronel e muitos Oficiais. As adesões seriam inumeráveis e ninguém teria dúvidas em aceitar os factos consumados.

Enquanto isto decorria, as forças da Guarda Municipal, sob o comando do major Graça, retiraram prudentemente daquele local, deixando livres as ruas para evitar o confronto, e foram estacionar para a Praça da Batalha, junto ao Quartel-general (onde é hoje o Governo Civil) e do telégrafo. Os Revoltosos saíram finalmente do Campo de S. Ovídio e dirigiram-se pela rua do Almada até à Praça de D. Pedro, (actual Praça da Liberdade), onde deveriam ocupar os Paços do Concelho e efectuar a cerimónia da deposição do Monarca reinante e da Proclamação da República. “Pelas ruas o povo acenava com lenços, davam palmas e segundo o cronista, nunca tão espontânea e tão calorosa manifestação se produziu na bela cidade nortenha. Na rua a multidão engrossava a cada momento e era difícil romper perante a massa compacta que se aglomerava.”


Pouco passava das 6 da manhã, quando de repente se abriram as janelas dos Paços do Concelho e alguns indivíduos da classe civil apareceram a dar vivas à Republica, ao Exercito e aos Regimentos Sublevados. O Dr Alves da Veiga faz um discurso e foi anunciado os nomes das pessoas que deveriam constituir o governo provisório, entre as quais Rodrigues de Freitas, Joaquim Soares (Desembargador), Joaquim Albuquerque (Lente da Academia Politécnica ), Santos Reis ( médico ) , e Licínio Leite ( Banqueiro ).


O Capitão Leitão, vendo que em contrário do que lhe assegurara o coronel Lencastre da Infantaria 18, reconheceu que tinham sido traídos, uma vez que para além deste havia ainda a esperança que a Guarda Municipal também iria aderir. Também por via civil, veio a tomar conhecimento que a Guarda Municipal estava a ocupar posição na Praça da Batalha em plano defensivo, para proteger o Quartel-General e o telégrafo.

Os revoltosos (Capitão Leitão, Tenente Coelho e Alferes Malheiro) após confidenciarem, resolverem que o Capitão Leitão iria à frente das forças pela Rua de S. António ( hoje 31 de Janeiro ), e ao chegar à Praça da Batalha procuraria parlamentar com o Sub-Chefe do Estado Maior, Fernando de Magalhães, que os revoltosos consideravam inteligente e pessoa de carácter. Ele iria decidir em ultima instancia se a superioridade estava na verdade do lado dos sublevados e se a Guarda Municipal poderia submeter-se-lhes sem hesitações. Havia esta esperança uma vez que com a certeza quase absoluta que o Regimento de Infantaria 18 havia aderido, não era razoável nem patriótico que a Guarda Municipal não o fizesse, uma vez que estava praticamente sozinha nesta contenda. Assim os revoltosos, não tinham a menor intenção de derramar sangue de irmãos de armas ainda por cima convencidos que todo o exercito se sentia impelido a resgatar o País da humilhante situação em que se encontrava, devido aos governos da monarquia, que não se inspiravam nos sagrados interesses nacionais.

O Ataque:  “As forças do comando do capitão Leitão saíram da Praça de D. Pedro e principiaram a subida pela Rua de S António, em marcha de quatro,  levando à frente a banda de infantaria 10; Seguia-se-lhe a Guarda-fiscal e iam depois Caçadores 9. A Guarda Municipal formava no alto da rua, no adro escalonado de S Ildefonso, guardando a entrada na Batalha pelas ruas de S. Catarina, S. António, e de S Ildefonso. Uma multidão enorme acompanhava as forças da revolta em sua marcha, e esta artéria do Porto tinha uma aspecto quase d festa. Do povo saiam brados entusiásticos vitoriando os sublevados. A marcha das forças tinha o carácter insofismável dum passeio triunfal, em que eles pareciam recolher os aplausos pela vitória alcançada rapidamente e sem embate sensível. Na altura da viela chamada dos Banhos, do lado direito da rua de S. António o povo que acompanhava os sublevados hesitou e recuou. O capitão Leitão olhou para cima e viu o guarda municipal em atitude defensiva, com as armas apontadas para a coluna. Não ligou grande importância ao facto e, como a banda de Infantaria 10 continuasse a tocar, não ouviu que de S. Ildefonso as cornetas tinham feito o sinal de alto-meia volta. A marcha prosseguia e de repente, saíram da forma dois soldados da guarda-fiscal, que se dispunham a disparar as armas contra a municipal, tendo de imediato sido repreendidos pelo Capitão Leitão que lhes ordenou: - Não atirem!..A guarda não nos faz mal!
Posteriormente colocando-se à frente da coluna, levantou os braços, como pretendendo afirmar à municipal que a atitude dos sublevados era pacífica. A guarda, fazendo pontarias baixas, deu uma descarga que lançou o maior pânico nas forças da revolta e nos populares que pejavam a rua de S. António. A marcha deteve-se, e num segundo produziu-se um precipitado movimento de recuo, e a coluna dissolveu-se, desordenada e a breve trecho a Rua de S. António ficou juncada de corpos inanimados e com despojos das vítimas. O capitão Leitão foi ferido na cabeça mas conseguiu escapar e conseguiu chegar até à Praça Nova. A Guarda Municipal abrigada por detrás das pedras continuava a disparar. Os soldados revoltosos, enquanto tiveram munições, iam respondendo com valentia ao ataque da força fiel ao regime monárquico. Estes valentes eram principalmente da guarda-fiscal e caçadores 9, pois infantaria 10 que estava no fundo da rua de S. António, ao começar o tiroteio fora forçada a recuar até à Câmara. Não mais se conseguiram organizar pois da Serra do Pilar, e outras baterias postadas nos ângulos de S. Bento e dos Loyos começaram a atacar os sublevados que ficaram encurralados nos Paços do Concelho. Um tiro de peça, arrombando a porta do edifício, mostrou aqueles valentes que a situação se definia irremediavelmente como a derrota da Republica. O capitão Leitão abandonou a casa da Câmara e pouco depois os outros combatentes imitaram-no, terminando a luta por volta das 9 da manhã.”

Oficialmente foram 12 as vitimas do movimento republicano, mas segundo a imprensa e estudo dos despojos abandonados e entrada de cadáveres nos Hospitais (Terço e Misericordia ) e os recolhidos das ruas, pensa-se que o numero efectivo rondaria os 50. O túmulo das vítimas “ Paz Aos Vencidos “ encontra-se no Cemitério do Repouso.

Terminados os julgamentos algum tempo depois em Conselho de Guerra, foram condenados s prisão maior celular ( e, na alternativa, na de degredo), João Chagas, Verdial, Capitão Leitão, os sargentos Abílio, Galho, Silva Nunes e outros. O tenente Coelho foi condenado a 5 anos de degredo. Os Regimentos de Caçadores 9 e Infantaria 10 também sofreram castigo exemplar: O Governo dissolveu-os.

Reparem os leitores, principalmente os mais velhos, as semelhanças com o que aconteceu 83 anos depois com a Revolução do 25 de Abril. Com a diferença que nesta ultima não houve qualquer resposta da Guarda Republicana que respeitou o povo em simbiose com o militares, não havendo derramamento de sangue. A 31 de Janeiro de 1891, no Porto, não houve cravos mas lágrimas, e os ideais revolucionários tiveram ainda que esperar alguns anos.


Baseado na Revolução de 31 Janeiro – Jorge Abreu , Ed Casa Alfredo David - 1912

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